Iluminismo e Teologia Liberal
- Fernando San Gregorio
- 4 de jan. de 2022
- 5 min de leitura

Já no século XVI a reforma protestante precisou aprofundar sua posição teológica para resistir à contra-reforma que fora suscitada para inibir e desestruturar logo de início a posição daqueles que elencariam as escrituras como única e suficiente regra de fé em detrimento de uma autoridade papal e uma tradição que remonta às origens da própria igreja, não que se apagassem as memórias e instruções ensinadas pelos santos, mas que de fato estas não teriam uma posição de igualdade com as escrituras, ora Lutero fora um monge agostiniano e Calvino se valeu de Agostinho em seus estudos. O “Sola Scriptura” não condenaria a tradição ao esquecimento, mas chamaria atenção dos homens quanto uma hierarquia no que concerne a autoridade, poder e inerrância das escrituras, consequentemente esta subjuga a tradição e todos seus intérpretes. Ora é digno de confiança aquele que se nos revelou, pois se trata do próprio Deus.
Não obstante, a discussão estava entre teólogos e religiosos e, portanto restrito aos processos e deliberações da fé, discutia-se sobre a ordem da salvação, os símbolos e sua extrapolação na cruz, a virgindade de Maria mãe de Jesus (ou de Deus?), o nascituro de Jesus, sua morte, ressurreição e ascensão. O modo pelo qual foi assunto aos céus e de como retornará, uma segunda vinda (em duas fases), um reino milenial (simbólico e ou literal), desta feita os proponentes da fé andavam às apalpadelas em suas discussões teológicas.
No entanto, nasceria um desafio no qual estes homens teriam que se debelar, o iluminismo, que mais tarde receberia a alcunha de o século das luzes, seria exigido o primado da razão em detrimento da fé. Sua promoção se deu por diversos nomes que entraram para a história da filosofia ou talvez melhor dizendo do próprio homem, o que é o esclarecimento de Imanuel Kant talvez seja o ápice do pensamento iluminista convocando os homens a que saiam da menoridade em busca de uma emancipação através de sua liberdade, igualdade e fraternidade (qualquer semelhança é mera coincidência). Voltaire e sua ironia contra as autoridades eclesiásticas, Diderot e sua erudição enciclopédica, Rousseau e seu tratado sobre a educação em Emilio.
O iluminismo daria o rótulo de idade das trevas, ao “período que se respirava Deus” se falava dos anjos, do céu, do inferno até mesmo em suas cantigas para crianças de Raimundo Lulil. O iluminismo apontou para seu “extremo” que levaria os homens as mais severas superstições fazendo-se escravo de si mesmo por um misticismo que o circundava e não permitiria deverás sua emancipação (Nietzsche se referiu a isto quando ousadamente declara a morte de Deus), somente assim o homem poderia ser livre incondicionalmente. Então o iluminismo nos propõe um novo deus a “razão”. O deísmo falará de um deus que criou o universo e estabeleceu leis régias que o direcionam, mas o deixou a deriva, este deus não se relaciona como o homem, no entanto é propulsor de uma razão universal. Ludwig Feuerbach daria um golpe psicológico perfeito descendo a teologia para a terra e subindo a potência natural dos homens para o céu em seu tratado sobre o cristianismo dirá “a teologia é uma antropologia” agora se questionaria, a autoridade eclesiástica, a fé, e o mais nocivo de tudo quanto foi dito o ataque as escrituras.
Parece que a teologia Liberal surge como uma tentativa de solucionar estes problemas que circundaram a igreja, dar respostas racionais aos dogmas, sustentar as doutrinas e estabelecer a autoridade das escrituras, portanto estabelecer um diálogo a altura com o iluminismo e seu deísmo. Aqui podemos fazer um “parênteses” para nos questionarmos a respeito de uma teologia fora da igreja, a teologia é uma ciência e seu objeto de estudo é o próprio Deus (definição de Armínio, Karl Barth não aceitaria uma vez que Deus não é o Objeto mas sim o sujeito da teologia) portanto a mais excelente de todas as ciências. Destarte, em qual contexto deve-se tratar sobre esta ciência. Mas o fato é que os homens piedosos que se propuseram pensar fora da igreja foram seduzidos pelo “logos-razão universal”, esvaziou-se o conteúdo da fé para serem aceitos no debate, sem sobrenatural não há cristianismo, este é todo milagre. O nascimento virginal do Cristo, sua morte, ressurreição, a razão per si não o poderia sustentar. Foi “necessário” retirar do debate os milagres, e tanto quanto uma crítica a inerrância bíblica, não passaria no crivo da ciência por que está para estudá-la apropria-se do fenômeno com secções, ou seja, a ciência é um recorte do fenômeno para que possa analisá-lo em seus laboratórios abriu-se mão do todo para ficar com às partes.
Rudolf Bultmann – pensou em “demitologizar” o cristianismo, passou a entender que muitos relatos do novo testamento eram sentenças exageradas dos homens de seu tempo e ou apropriação dos mitos com uma hermenêutica de influência existencialista (Heidegger-Gadamer). Parece que Bultmann não negaria os mitos, mas sim produziria uma interpretação existencial para com eles, o que tem valor objetivo, esta é a leitura dos mitos. O mito é como se fosse uma expressão das impressões que principalmente o mundo grego vislumbrava, assim cantavam os poetas em suas teogonias a origem dos deuses, e sua cosmogonia a origem do cosmos. Falava de como a beleza poderia em si conter toda “feiura” como em Narciso, ou a fatalidade de um destino inexorável como em Édipo. Assim expressavam-se a respeito do suprassensível. No cristianismo não se deu assim as impressões foram afogadas pela realidade do Cristo que não caberia no mundo natural caído, os milagres não eram mitos, mas o início da obra redentora de Cristo aperfeiçoando a natureza isto parece bem explícito no texto como segue
E, quando aqueles homens chegaram junto dele, disseram: João o Batista enviou-nos a perguntar-te: És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro? E, na mesma hora, curou muitos de enfermidades, e males, e espíritos maus, e deu vista a muitos cegos. Respondendo, então, Jesus, disse-lhes: Ide, e anunciai a João o que tendes visto e ouvido: que os cegos vêem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres anuncia-se o evangelho. (grifo meu) Lc 7:20-22
Posteriormente começa-se a perceber um “kerigma” um mover do espírito em muitos lugares, curas manifestações poderosas, um ressurgimento da piedade produzindo o movimento de santidade o que mais tarde culminaria no advento pentecostal moderno. Houve um empenho em desmoralizar os da escola de tubingen produzindo um radicalismo e um anti intelectualismo, principalmente no Brasil o pentecostalismo primevo suspeitou da academia como produtora de heresias afastando quase toda membresia dos institutos de ensino teológicos, mas isto é uma outra história. Voltando a Bultmann este de fato percebeu que o mito poderia produzir quantas impressões fossem necessárias. Não se falaria de milagres porque a razão não poderia tratar destes assuntos, mas por outro lado era importante por que produziria piedade e desenvolvimento ético objetivo. Esta proposta parece descaracterizar os textos bíblicos como produtores de mitos os desautorizando ante a academia. Portanto penso que a produção de Bultmann foi nociva para a igreja. Alguém disse que os homens geralmente atuam por malícia ou por ignorância, não posso dizer que esta última seja o caso de Bultmann.
Referências
As Obras de Armínio, Casa Publicadora das Assembleias de Deus-CPAD, Rio de Janeiro, 2015.
Reale. G. Historia da filosofia, 6: de Nietzsche Escola de Frankfurt G. Reale, D. Antiseri: São Paulo: Paulus, 2006. Coleção historia da filosofia: 6
SOARES, Esequias. A Razão de Nossa Fé - Assim cremos, assim vivemos, Casa Publicadora das Assembleias de Deus-CPAD, Rio de Janeiro, 2017.
JOLIVET, Regis – Curso de Filosofia, Editora Agir Rio de Janeiro 1976
Comments